Mario Felix Lleonart Barroso é pastor batista |
Autor do blog ubanoconfesante.com e pastor da Igreja Batista em Cuba, Mario Felix Lleonart Barroso está nos
Estados Unidos desde setembro para participar de uma série de eventos sobre
Liberdade Religiosa, agendados pela Christian Solidarity Worldwide (CSW). Em sua
estadia nos EUA, o líder cubano apresentou o documento “Trinta questões para o
Governo Cubano”, que questiona e confronta o Governo nas situações que envolvem
a liberdade de religião e de expressão em Cuba.
Em abril deste ano, a
Associação de Juristas Evangélicos (Anajure) – com base em relatório aprofundado e conclusivo da
CSW – denunciou no Brasil os graves problemas que acontecem na Ilha de Cuba no
tocante às restrições de liberdade religiosa impostas pelo governo, mesmo com
Fidel Castro institucionalmente fora do poder. Tal publicação da
Associação inclusive foi objeto de análise e discussão na Câmara dos
Deputados no âmbito da Comissão de Relações Exteriores.
O fato é que o
Partido Comunista Cubano, numa forma mais velada de perseguição religiosa aos
cristãos, tem buscado, através de todas as formas de cooptação possíveis, apoio
político de líderes religiosos para realizar seus intentos, nada democráticos,
como se sabe. Porém, normalmente, os líderes não cedem a este tipo de
relacionamento que foge aos padrões bíblicos da ética, assim como também aos
valores de um Estado Democrático de Direito, o que de fato Cuba não o é. O
resultado desta recusa à cooptação é a perseguição violenta a esses mesmos
líderes e igrejas, conforme descreve o pastor Mario Barrosona em entrevista à Anajure.
Para o presidente da
Associação, Uziel Santana, “o relato
do Pr. Barroso é muito ilustrativo e elucidativo da real situação cubana em
termos de liberdades civis fundamentais, em especial a liberdade religiosa.
Desde nossa publicação de abril, já tínhamos amplo conhecimento disso. O que
nos surpreende, por certo, negativamente, é o fato de Open
Doors ter retirado
Cuba da lista de países que mais perseguem ao cristianismo. Alguma análise
precisa ser reconsiderada pelos nossos irmãos e parceiros dessa instituição,
porque os dados concretos infelizmente têm nos mostrado uma situação ainda
muito difícil. O exemplo do Pr. Barroso é um entre muitos outros. Neste
sentido, a ANAJURE estará anos próximos dias oficiando a Portas Abertas Brasil
para discutir a questão e ver como podemos ajudar a igreja de Cuba a partir do
Brasil, por termos exatamente um governo alinhado, ideologicamente, com o da
Ilha. No mais, continuamos a incentivar a igreja a orar pelos nossos irmãos e
irmãs que tanto sofrem por amor ao Evangelho de Cristo”.
Em entrevista à Anajure, o pastor Mario
falou sobre as duas missões que ele recebeu de Cristo – denunciar e anunciar –
e sobre as dificuldades enfrentadas no cotidiano dos cristãos, pedindo aos
brasileiros que: “não sejam indiferentes ante o clamor de liberdade de um povo
que sofre, e cujos direitos são pisoteados por uma família que se apropriou do
país há mais de 50 anos e ainda o usa como um feudo”.
Leia
a entrevista na íntegra:
Como
é ser cristão em Cuba, e como é o trabalho que o senhor desenvolve na Igreja
Batista?
Igreja Batista na Comunidade de Rosalía, onde Pr. Mario pastoreia |
Pr.
Mario Barroso –
Ser cristão em si já é um grande privilégio. E neste país, onde vivemos num
regime totalitário por mais de 50 anos é um privilégio ainda maior, pois apesar
das dificuldades os princípios do Reino de Deus se destacam neste tipo de
governo opressor.
Devido à necessidade
de obreiros, ensino Novo Testamento no Seminário Teológico da Primeira Igreja
Batista, na cidade de Santa Clara, e em três filiais do Seminário Teológico
Batista de Havana, nas três congregações situadas em Vueltas, Remedios e Cruces. O meu trabalho como
pastor batista de duas congregações no centro de Cuba, nas comunidades de Taguayabón e Rosalía, onde há muita
limitação e carência econômica, é bastante difícil. Sou um pastor sem carro,
sem telefone fixo, sem internet, sem biblioteca onde eu possa conseguir
literatura atualizada, e o teto de um dos templos que tem quase dois séculos (o
de Taguayabón *na foto acima) está
quase caindo. Mas sabemos que vale a pena tentar imitar a Cristo, que também
viveu essas tensões e privações num contexto muito parecido, mas sem vacilar.
Além do Evangelho
eterno que salva das conseqüências do pecado, nós espalhamos os valores e a
ética do Reino de Deus, tão carentes em Cuba. Princípios que não fazem parte,
por exemplo, da única educação legalizada da ilha, que é controlada pelo
regime. E por assim ser, a educação é desenhada para doutrinar nossas crianças
através de um programa educacional totalmente ideologizado e formatado pra
semear ateísmo e violência nas mentes.
Qual
o maior desafio da igreja cubana na atualidade?
Condição de uma das estradas de acesso às congregações que o Pr. Mario é responsável. |
Pastor – A igreja
cubana enfrenta grandes desafios desde o passado. Nos anos 60, por exemplo, o
regime político vigente declarou guerra ao cristianismo, se filiou às doutrinas
leninistas, e literalmente declarou que a religião era a coisa mais danosa que podia
existir debaixo do céu. O governo colocou ainda muitos cristãos em campos de
concentração, denominados de Unidades Militares de Apoyo a la Producción (UMAP). Em 1965, nós
batistas vivemos uma das maiores crises da nossa história porque a maioria dos
nossos pastores foram presos. Uma das igrejas que pastoreio, a de Taguayabón, durante mais de ano
teve um selo em sua porta, após ter todos os seus móveis confiscados. Um juiz
chegou ao ponto de declarar ao pastor Luis Manuel González Peña, que na época era
líder dos batistas cubanos, que em 30 anos não haveria mais nenhuma igreja em
Cuba. O pastor respondeu: – “Senhor magistrado, o Cristianismo existe a quase
dois mil anos e nada, e nem ninguém, conseguiu destruí-lo. Em 30 anos teremos o
dobro de igrejas em Cuba!”. E assim foi.
Desde a crise na qual
caiu o regime nos anos 90, sem o amparo da antiga União Soviética que ajudou
Cuba a cometer tantos desatinos, as igrejas se multiplicaram num autêntico
avivamento.
Hoje, o debilitado
regime político de Cuba está obrigado a buscar pilares sobre os quais possa se
apoiar para tentar sobreviver. A mesma igreja que se pretendeu destruir antes,
agora se pretende usá-la. O desafio maior para a igreja cubana na atualidade está
no fato dela conseguir não escutar as falsas adulações, nem cair nos enganos e
chantagens do governo.
Para uma sociedade
moralmente desolada, depois de cinco décadas de destruição generalizada, na
qual o dano antropológico é grande, uma igreja disposta a condenar os
responsáveis e a sarar as vítimas, representa nosso maior desafio.
No meio de
comportamentos tão vis, onde o mal age ferozmente, servir a Cristo passa a ser
uma grande responsabilidade. Mas quem deseja viver às custas de Cristo
encontrará um bom lugar, pois o Regime pede a gritos “sacerdotes e profetas”
que segundo o modelo oferecido em Apocalipse 13, entreguem sua boa visão ao
poder político e adormeçam a massa.
Como
tem sido o trabalho do senhor com relação à Liberdade de religião e de
expressão em Cuba?
Cristãos da comunidade cristã de Taguayabón |
Pastor - O evangelho
de Cristo, nas palavras de Dietrich Bonhoeffer, “libera-nos de tudo o que nos oprime…”. Uma pregação
equilibrada das boas novas de Cristo não está separada da defesa das liberdades
que todos os seres humanos têm direito.
Embora o regime tenha
feitos esforços para me isolar nas comunidades rurais no centro de Cuba, pelas
quais tenho muito amor, os púlpitos nos quais proclamo o evangelho e a ética do
sermão da montanha estão ganhando mais espaço com o auxílio das novas tecnologias,
mesmo com o fato de não possuirmos internet em casa e nos sacrificarmos
bastante para tal.
Em novembro de 2010
nasceu o meu blog, cubanoconfesante.com, que completa agora três anos. E em
janeiro de 2012 a minha conta no twitter @maritovoz, que logo se uniu ao
de minha esposa @yoaxism, aumentou ainda mais
o nosso alcance. Esses meios estão sendo usados por Deus para salvar nossas
próprias vidas, e também como um meio de Graça, para cumprir a dupla missão que
está entranhada em nós que é DENUNCIAR E ANUNCIAR. Sem a ajuda de Deus isto seria
humanamente impossível.
O Regime cubano tem
resistido em sua maldade com o passar dos anos. Diferente de sua melhor aliada,
a Coreia do Norte – a quem
não interessa cuidar de sua própria imagem – os que governam Cuba se preocupam
com isto, fato que os fazem mais perigosos, porque já não fuzilam abertamente,
como ocorre na Coreia. Em Cuba, se gloriam
de uma moratória da Pena de Morte desde 2003, no entanto assassinam
extrajudicialmente, e as mortes de Juan Wilfredo Soto (maio de 2011), Laura Pollan (outubro de 2011) e
Oswaldo Paya (julho de 2012) são
a prova disto.
Qual
é o objetivo desta visita que o senhor está fazendo aos EUA, junto aos
parceiros da CSW?
Pastor - Antes de
qualquer coisa, preciso ressaltar que, coerente ao seu próprio nome, a CSW tem
sido solidária à nossa missão em Cuba. Além de nos dar sua voz, a CSW fez um
convite a mim e a minha esposa e facilitou os recursos financeiros que tornaram
possível nossa visita aos EUA. Suas denúncias e relatórios a respeito das
violações à liberdade religiosa em Cuba tem sido vitais no nosso caso e em
muitos outros.
No ano passado
recebemos com dor a notícia de que outra organização que se dedica a monitorar
as violações de liberdade religiosa no mundo, a Open Doors, retirou Cuba da
lista de países onde continua havendo violações à liberdade religiosa. O
informe da CSW publicado em abril, inclusive com versão em português traduzida
pela ANAJURE, com mais de 30 páginas dedicadas a Cuba, foi contundente e
demonstra que a Open Doors precipitou-se
demasiadamente.
No início de nossa
viagem, a CSW preparou uma importante agenda que cumprimos em Washington e que
nos permitiu atualizar importantes instituições governamentais e
não-governamentais a respeito da situação real em matéria de liberdade
religiosa na ilha. Um dos momentos mais emotivos para nós dentro da agenda foi
sermos recebidos por um brasileiro muito especial em Washington, Raimundo
Barreto, que realiza um trabalho muito importante dirigindo a comissão de
liberdade e justiça da Aliança Batista Mundial. Nunca esqueceremos o carinho
com o qual nós fomos recebidos.
Fomos também
acolhidos pelas igrejas, imprensa secular e imprensa cristã na Flórida. Tem
sido emocionante pregar à Cuba do exílio nos EUA, que é tão cubana quanto a da
ilha. O fato de que algumas emissoras em que temos pregado podem ser ouvidas na
ilha nos permite falar o que lá não é permitido. E isto faz comque aquilo que falamos
chegue a milhões de cubanos.
Durante nossa viagem
divulgamos 30 perguntas que temos lançado ao regime de Havana, questionando as
supostas liberdades religiosas na ilha, as quais alardeiam argumentos que
pretendem enganar a muitos, como parece que aconteceu com a Open
Doors.
Estas 30 perguntas se
converteram em um forte documento de denúncia divulgado em vários meios de
comunicação, e que deixam o regime sem respostas lógicas, pois o desmascara. O
regime político de Cuba é: inimigo da fé e amante dos deuses, aos que verdadeiramente
serve, que são o poder e o dinheiro, embora disfarçando-se com aparência de
piedade, mas negando sua eficácia com fatos.
Temos a esperança de
que no próximo ano a Open Doors devolva Cuba à sua lista de países que violam a
liberdade religiosa, levando em consideração as 30 perguntas divulgadas com
apoio da CSW. Seria ótimo se não precisássemos estar nesta e em nenhuma outra
lista, mas, não nos colocando nela não se faz nenhum favor a quem sofre dentro
deste enorme campo de concentração rodeado de mar que é a nossa ilha, passando
por seus altos e reais pesadelos, mas passa a favorecer os responsáveis pelas
violações às liberdades civis fundamentais que se mantém no poder a todo custo.
Por
favor, deixe uma reflexão para a Igreja Brasileira acerca das oportunidades e
orar e ajudar a igreja perseguida em Cuba.
Pastor - Em 3 de
novembro, diversas organizações cristãs a nível mundial, incluindo a CSW e
a Open
Doors, convocaram um dia
mundial de oração pela igreja perseguida. Mas não basta apenas um dia de oração
para interceder por nossos irmãos em tribulação pelo mundo. Hebreus 13.3 deve
converter-se em um imperativo enquanto houver sofrimento no mundo.
Em nome da igreja de
Cuba, que se encontra diante do enorme desafio de não ser cúmplice de um regime
que a cada dia é desmascarado pela história, pedimos muita oração pelos nossos
irmãos, na Igreja brasileira.
Gestos como o de
Raimundo Barreto, da Aliança Batista Nacional, são exemplos do que o Brasil
pode fazer, não sendo indiferente ante o clamor de liberdade de um povo que
sofre e cujos direitos são pisoteados por uma família que se apropriou do país
há mais de 50 anos e ainda o usa como um feudo.
Não posso perder esta
oportunidade para colocar como exemplo no Brasil o Ministério Luz para o
Caminho, da Igreja Presbiteriana do Brasil, dirigido pelo pastor Hernandes Dias
Lopes, com sede em Campinas- SP. Eles têm investido com orações e finanças para
que literatura cristã impressa e multimídia chegue a Cuba, com uma mensagem
edificante que nos inspira em nossa missão. O devocional ‘Cada Dia’ que eles
enviam para ser distribuído gratuitamente dentro da ilha transformou-se no
devocional diário de milhares de cubanos. Em nossas igrejas temos sido
beneficiados por sua solidariedade.
Outras igrejas e
ministérios no Brasil também podem fazer o mesmo, além de orar, claro.
Uma mensagem muito
importante para o Brasil: o debilitado regime que desgoverna a ilha por mais de
50 anos não tenta encontrar só na igreja um punhal para ferir sua cambaleante
estrutura, mas também o faz no Brasil – O gigante do sul.
É importante que o
Brasil receba sabedoria de Deus e não se deixe enganar, mas entenda que uma
coisa é o regime que se apoderou da ilha, e outra coisa é o povo cubano.
A prosperidade
econômica do Brasil constitui um ponto de observação para o regime no
continente. Tratando de buscar ajuda para manter-se no poder.
Que o Brasil, e em
especial a igreja brasileira, passe pela história como um povo que ajudou os
cubanos a se libertarem do jugo do atual regime, e não o contrário.
A propaganda do
regime de Havana é habilidosa e confunde a muitos, tal como, demonstra o caso
da Open Doors, embora estejamos
seguros que eles irão reavaliar a lista com base em nossos argumentos.
Não se enganem.
Agradecemos ao Brasil pelos investimentos milionários realizados no porto de
Mariel, em Havana, que isto será algo muito importante para a futura Cuba
democrática que sonhamos, onde os direitos humanos são respeitados.
Ressaltamos
que é importante que o dinheiro deste porto não fique com uma elite que a cada
dia enriquece mais, enquanto oprime um povo cada vez mais empobrecido. Esses
recursos não devem servir para que o povo seja ainda mais maltratado.
Se a igreja
brasileira puder incentivar seu governo para que ele priorize os direitos
humanos em sua política exterior acima dos interesses econômicos, não ficará
dúvida de que o fizeram por se alinhar aos interesses de Cristo em nossa
sofrida ilha…
Por fim, nossa oração
é que Deus continue abençoando o Brasil!
Fonte: Anajure
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