E agora, Jony?

Era uma segunda-feira, feriado do dia das crianças, e fui cedinho comprar um pincel na lojinha de materiais de construção, a duas quadras de onde moro, que estava aberta. Na volta, ao chegar ao portão, uma pequenina ave tentava voar. Salvei-a da boca e das garras da Lili, a poodle lá de casa. Quem gostou da novidade foi a Naielly, a filha mais nova, na época com oito anos de idade. 
No começo, ficou com medo de tocar o filhotinho. “Mas você não quer ser veterinária?”, questionei. “Não, agora quero ser médica”, respondeu com convicção. Dias antes, com a mesma “convicção”, o que ela queria era ser jornalista, veterinária, trabalhar no corpo de bombeiros… 

Já o passarinho perdeu rapidamente qualquer tipo de receio ou medo de humanos. E a Naielly também. Andava por todo lado (claro, longe da Lili) pendurado tranquilamente no dedo ou no braço da menina. Só não queria comer nada.

“Pai, precisamos ir ao veterinário”, pediu 
Naielly. “Para quê?”, perguntei. “Para saber se o passarinho é menino ou menina”, foi a resposta.

Faustino, o pintor que me ajudava – um cearense que sabe tudo – definiu o sexo e a raça da ave sem nenhum exame minucioso. “É pomba e é macho”, garantiu. Não demorou muito e o “menino” ganhou identidade: 
Jony.

E o 
Jony foi o presente especial daquele dia das crianças. Durante à tarde fui preparando a filhota de que logo mais devolveria o pássaro à natureza. “Trate bem dele”, recomendei. “Quem sabe, um dia ele volta, não é mesmo?” A chuva veio, a noite também e o Jony foi ficando… comeu e continuou quietinho na caixinha de sapato (aberta, claro!). Só não gostei de um voo desengonçado em que acabou aterrissando no teclado do meu notebook…

Ao sair de casa, na manhã seguinte, o 
Jony estava lá. No mesmo lugar. Quietinho, carinha de depressivo, porém atento a todos os meus movimentos. E eu racionalmente, pensei: “e agora, Jony?”

Decidi que o bichinho ficaria em casa. Até quando ele quisesse. Como convidado especial. Sem gaiola ou qualquer tipo de prisão. A única regra seria ficar longe da 
Lili. Podendo ir, levantar voo, crescer e, se desejar, voltar. Quantas vezes quisesse. Por que não? Tem um pequeno pomar nos fundos da casa… Pode até trazer a família, Jony!

Quando retornei ao meio-dia, a primeira coisa que perguntei foi: “Cadê o 
Jony?” A filhota encheu os olhos de lágrimas. Ela fora mostrar o bichinho para a vizinha e ele… voou! O previsível aconteceu.

Ficou chorosa o restante do dia e nem dormiu direito à noite. No terceiro dia, ao sair de casa, cedinho, lá estava a caixinha do 
Jony. Tristemente vazia.

Esse incidente de feriadão me fez refletir “ecologicamente” na bondade de Deus. Nenhuma criaturinha escapa aos cuidados divinos. Se nós, humanos pecadores e racionais, nos apegamos a elas, imagine o Senhor Deus, que é a essência do amor!
Os pensamentos voaram para o passado e lembrei-me dos animaizinhos que tive na infância. O Jarbas, um buldogue com cara de mau, mas que era um doce de cachorro; o Piu-Piu, um vira-latas magro e orelhudo, a 
Mitiela, uma linda gata amarela; o Diêiki, o cãozinho branquinho da prima Nirlei; a vaca Mansinha, minha primeira ouvinte…

Não tem como segurar. Nas asas da imaginação, os pensamentos vão agora para o futuro. Onde as aves e outras criaturas, grandes ou pequenas, não terão medo. Assim como o 
Jony. E aí vêm as cogitações e respostas (sem qualquer sustentação teológica!): será que Deus não vai nos surpreender presenteando-nos com animaizinhos queridos que hoje não mais existem? Por que não?

“Calma, 
Amilton”, pareço ouvi-Lo dizer. “Não se preocupe com o amanhã. Não queira estragar as surpresas que tenho preparado. Coisas que você jamais imaginou!”. “É verdade, Pai” – respondo eu, um tanto envergonhado. Preciso mudar. Parar com essa maneira de tentar descobrir as surpresas antes da hora. Mas… seria muito legal rever o Jarbas, a Mitiela, o Diêiki, a Mansinha, a Lili, o Jony e a família dele … Os meus amigos, os queridos familiares que hoje descansam na sepultura…

Volte logo, Jesus, por favor…

-> Texto: 
Amilton Menezes

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