A revista Veja da semana passada (5/10/2012) traz a ótima
entrevista “Um poder invisível da fé”, com o psiquiatra americano Harold Koenig. Ele afirma que as
pesquisas são claras ao relacionar as diversas formas de religiosidade com a
prevenção de doenças cardiovasculares e da hipertensão. Quem o entrevistou foi
a repórter Fernanda Allegretti. Koenig é professor da
Universidade Duke, na Carolina do Norte, e há 28 anos se dedica a estudos que
relacionam religião com saúde. Tem 40 livros publicados e mais de 300 artigos
sobre o tema. Sua tese é que a fé religiosa ajuda as pessoas em diversos
aspectos da vida cotidiana, reduzindo o stress, fazendo-as adquirir hábitos
saudáveis e dando-lhes conforto nos momentos difíceis, entre outros benefícios.
Koenig, de 60 anos, nasceu
em uma família católica, mas hoje, por influência da mulher, frequenta a igreja
protestante. Ele esteve recentemente no Brasil para dar uma palestra em Porto
Alegre e lançar a edição brasileira de seu livro Medicina, Religião e Saúde – O
Encontro da Ciência e da Espiritualidade. Leia a entrevista abaixo, republicada
no site da Legrand:
Como o senhor chegou à conclusão de que a religiosidade aumenta a sobrevida das pessoas em até 29%?
Há uma relação significativa entre frequência da prática religiosa
e longevidade. Acredito que o impacto na sobrevida seja até maior, algo em tomo
de 35%. Três fatores influenciam a saúde de quem pratica uma religião. O
primeiro são as crenças e o significado que essas crenças atribuem à vida. Elas
orientam as decisões diárias e até as facilitam, o que contribui para reduzir o
stress. O segundo fator está relacionado ao apoio social. As pessoas devotadas
convivem em comunidades com indivíduos que acreditam nas mesmas coisas e
oferecem suporte emocional e, às vezes, até financeiro. O terceiro fator é o
impacto que a religião tem na adoção de hábitos saudáveis. Tanto os mandamentos
religiosos quanto a vida em comunidade estimulam a boa saúde. Os religiosos
tendem a ingerir menos álcool, porque circulam em um meio onde ele é mais
escasso e com pessoas que bebem menos. Eles também têm inclinação a não fumar.
É menos provável que adotem um comportamento sexual de risco, tendo múltiplos
parceiros ou parceiros fora do casamento. Tudo isso influencia a saúde e faz
com que vivam mais e sejam mais saudáveis.
Também se beneficiam da fé os adeptos de religiões que proíbem cuidados médicos, como é o caso das testemunhas de Jeová com a transfusão de sangue?
Também se beneficiam da fé os adeptos de religiões que proíbem cuidados médicos, como é o caso das testemunhas de Jeová com a transfusão de sangue?
A maioria dos estudos comprova que os benefícios de ser
adepto de urna religião são maiores que os malefícios. No caso das testemunhas
de Jeová, há pesquisas que mostram que a longevidade deles não é diferente da
dos católicos ou dos protestantes. Outro ponto importante é que não há tantas
testemunhas de Jeová no mundo. Os grupos religiosos que se opõem a cuidados
médicos são muito pequenos em comparação à grande maioria que se beneficia de
suas crenças religiosas.
Quem se toma religioso tardiamente também se beneficia?
Quem se toma religioso tardiamente também se beneficia?
Quem se toma religioso numa idade mais madura também se
beneficia, especialmente dos aspectos psicológicos e sociais. A vida passa a
ter mais sentido, a pessoa ganha apoio da comunidade, esperança e
interlocutores afinados com o seu jeito de ver o mundo. A consequência é a melhora da
qualidade de vida. A saúde física, no entanto, não será tão influenciada porque
não dá para apagar os anos de maus hábitos e os estragos feitos pelo excesso de
stress.
Ter fé não é o mesmo que seguir uma religião. Do ponto de vista dos benefícios, isso também faz diferença?
Ter fé não é o mesmo que seguir uma religião. Do ponto de vista dos benefícios, isso também faz diferença?
Não adianta só dizer que é espiritualizado e não fazer
nada. É preciso ser comprometido com a religião para gozar seus benefícios. É
preciso acordar cedo para ir aos cultos, fazer parte de uma comunidade,
expressar sua fé em casa, por meio de orações ou do estudo das escrituras. As
crenças religiosas precisam influenciar sua vida para que elas influenciem
também sua saúde.
Como as diferentes religiões se comparam nesse efeito positivo sobre a saúde e a longevidade que o senhor detectou?
Como as diferentes religiões se comparam nesse efeito positivo sobre a saúde e a longevidade que o senhor detectou?
Não há estudos confiáveis comparando as religiões. Até
porque as mesmas religiões se desenvolvem em ambientes completamente diferentes
e são influenciadas por esses ambientes. Um credo cujos benefícios são óbvios
no Brasil pode não ter o mesmo efeito positivo sobre as pessoas nos países
árabes.
Algumas enfermidades respondem melhor à prática religiosa do que outras?
Algumas enfermidades respondem melhor à prática religiosa do que outras?
As doenças relacionadas ao stress, como as disfunções
cardiovasculares e a hipertensão, parecem ser mais reativas a uma disposição
mental de cunho religioso. O stress influencia as funções fisiológicas de
maneira já muito conhecida e tem impacto em três sistemas ligados à defesa do
organismo: o imunológico, o endócrino e o cardiovascular. Se esses sistemas não
funcionam bem. Ficamos doentes. A religiosidade põe o paciente em outro patamar
de tratamento. Pacientes infartados que são religiosos, por exemplo, têm menos
complicações após a cirurgia, ficam menos tempo internados e, claro, pagam
contas hospitalares mais baixas.
O senhor diz que quem vê Deus como uma entidade distante e punitiva tem menos benefícios para a saúde do que quem o vê como um ser compreensivo e que perdoa. Por quê?
O senhor diz que quem vê Deus como uma entidade distante e punitiva tem menos benefícios para a saúde do que quem o vê como um ser compreensivo e que perdoa. Por quê?
A religião pode virar uma fonte de stress se aumentar o
sentimento de culpa ou gerar um mal-estar na pessoa por ela não conseguir
cumprir com o que a doutrina considera que são suas obrigações religiosas. Não
existem pesquisas que constatem isso, mas certamente um Deus punitivo, que
vigia e condena seus erros, vai elevar esse stress. Por isso, acho que faz
bastante diferença acreditar em um Deus amoroso e
misericordioso.
Existem estudos que ligam a religiosidade profunda à ausência da depressão psicológica. O senhor também registrou esse efeito?
Existem estudos que ligam a religiosidade profunda à ausência da depressão psicológica. O senhor também registrou esse efeito?
Os pacientes que lidam melhor com suas doenças, perdas e
incapacidades ficam menos depressivos. Os religiosos suportam melhor suas
limitações porque a religião dá significado a essas circunstâncias difíceis. O
sofrimento adquire um propósito. O indivíduo não sofre sem razão nem se sente
sozinho. As religiões têm inúmeros exemplos de sofrimento: Jesus torturado e
crucificado; Jó, que perdeu bens,
família, saúde; Maomé, que passou por momentos difíceis na infância. Todos
sofreram, e a fé os fez seguir adiante. Um estudo recente da Universidade
Colúmbia demonstrou que, quando são religiosos, filhos de pai ou mãe
depressivos têm menor risco de desenvolver depressão. Provar que pessoas com
fatores genéticos de risco podem ser protegidas pela religião é
sensacional.
Muitos pacientes terminais desenvolvem a espiritualidade mesmo sem ter fé durante a vida. O que sua experiência revela sobre essas pessoas?
Muitos pacientes terminais desenvolvem a espiritualidade mesmo sem ter fé durante a vida. O que sua experiência revela sobre essas pessoas?
O que podemos afirmar com segurança é que pacientes
religiosos toleram melhor o processo da morte. Eles acreditam que não é o fim
e, por isso, não ficam tão ansiosos. ... Isso afeta a qualidade de vida da
pessoa no período terminal e melhora a relação dela com a
família.
Qual sua opinião sobre as chamadas cirurgias espirituais?
Qual sua opinião sobre as chamadas cirurgias espirituais?
Os charlatões tendem a se aproveitar de pessoas doentes
e desesperadas. Os pacientes que frequentam esses centros, em geral, não recebem benefício algum e
se sentem desapontados. Alguns chegam a se revoltar contra a religião. O
sofrimento acaba sendo maior porque, a partir do momento em que a pessoa perde
a confiança na sua fé, perde também a habilidade de se adaptar à sua
condição.
Um estudo da Santa Casa de Porto Alegre mostra que 70% dos pacientes gostariam que o médico falasse sobre religião com eles, mas apenas 15% dos médicos o fazem. Por que isso acontece?
Um estudo da Santa Casa de Porto Alegre mostra que 70% dos pacientes gostariam que o médico falasse sobre religião com eles, mas apenas 15% dos médicos o fazem. Por que isso acontece?
Os médicos não recebem treinamento apropriado sobre como
fazer a abordagem religiosa. Eles não sabem trazer o assunto à tona, nem como
responder a perguntas do paciente sobre religião. Nos Estados Unidos e também
no Brasil, ainda são poucas as faculdades de medicina que tratam do tema. A
medicina é considerada uma ciência e, historicamente, há uma grande divisão
entre religião e ciência. A religião é muito mais vaga e nebulosa do que a
medicina e, por isso, continua não levando muito crédito. Médicos tendem a ser
menos religiosos do que a população em geral, então eles não conhecem muito bem
o potencial da religião.
Como o médico deve falar de religião com o paciente?
Como o médico deve falar de religião com o paciente?
É mais simples do que parece. Só de perguntar ao
paciente quanto a religião é importante na vida dele, o médico está abrindo
caminho para atender às suas necessidades espirituais. O paciente deve
sentir-se confortável falando sobre esse assunto com seu médico. O médico pode,
naquele momento mais especial, tentar saber das decisões que um paciente
terminal espera dele em situações-limite. Pode descobrir se o paciente terminal
quer ser ressuscitado em caso de parada cardíaca, se deseja receber tratamento extenuante
prolongado ou se prefere não estender o sofrimento. Ajuda muito o médico puxar
assunto com o paciente sobre o que ele pensa da existência dos milagres ou se
quer receber orações. O paciente tem de estar seguro de que o médico não vai
ignorar ou fazer pouco-caso de suas carências espirituais.
Como deve ser a abordagem com um ateu?
Como deve ser a abordagem com um ateu?
Eu não incentivaria nenhum médico a tentar converter um
ateu. Simplesmente porque essa abordagem não funciona. O médico deve apenas
conversar com o paciente e tentar compreender as causas que o levaram a ser
ateu. Médicos não são pastores ou padres. Nosso trabalho não é catequizar
ninguém, é tentar entender o paciente e como sua crença religiosa ou a falta
dela influencia sua recuperação e as decisões que vão ter consequências em seu
tratamento.
O que o senhor pensa sobre os ateus e os agnósticos?
O que o senhor pensa sobre os ateus e os agnósticos?
Acho que eles estão mais adiante no caminho religioso do
que muita gente que nunca questionou sua religiosidade. Algumas pessoas são
religiosas simplesmente porque os pais são e nunca pararam para pensar sobre
isso. Para decidir ser ateu ou agnóstico, o indivíduo tem de questionar a si
mesmo e a religião. Refletir sobre isso é um progresso. Mas sugiro a essas
pessoas que mantenham sempre a mente aberta. Apenas uma fração do mundo pode
ser explicada pela ciência. Há muitas coisas que não são claras na vida para
afirmar categoricamente que Deus não existe. Noventa por cento da população
mundial acredita em Deus e, se você faz parte dos 10% que não exercem ou não
têm certeza, ao menos mantenha a mente aberta. [...]
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